quinta-feira, julho 17, 2003

Nestes dias, recebi uma mensagem pronta. Devo confessar que acho as mensagens prontas, na sua maioria, totalmente idiotas. Mas me senti na obrigação de comentar esta, até porque foi uma grande amiga que me enviou.

Me considero um cara muito eclético musicalmente e a mensagem, em particular, me incomodou.

Espero, caro Blogueiro que tenhas paciência em ler esta gigantesca mensagem.
Antes, vou reproduzir a mensagem em questão, sob o título ONDE FOI QUE ERRAMOS??????

Década de 30: Ele, de terno cinza e chapéu panamá, em frente à vila onde ela mora, canta:
"Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa!
Do amor por Deus esculturada.
És formada com o ardor da alma da mais linda flor,
de mais ativo olor, que na vida é a preferida pelo beija-flor...."

Década de 40 Ele ajeita seu relógio Pateck Philip na algibeira,
escreve para a Rádio Nacional e manda oferecer a ela uma linda música:
"A deusa da minha rua, tem os olhos onde a lua, costuma
Nos seus olhos eu suponho, que o sol num dourado sonho,
vai claridade buscar"

Década de 50 Ele pede ao cantor da boate que ofereça a ela a interpretação de uma bela bossa:
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça.
É ela a menina que vem e que passa, no doce balanço a
caminho do mar.
Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema.
O teu balançado é mais que um poema.
É a coisa mais linda que eu já vi passar."

Década de 60 Ele a parece na casa dela com um compacto simples embaixo do braço, ajeita a calça Lee e coloca na vitrola uma música papo firme:
"Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o
infinito não é maior que o meu amor, nem mais bonito.
Me desespero a procurar alguma forma de lhe falar, como
é grande o meu amor por você...."

Década de 70 Ele chega em seu fusca, com tala larga, sacode o cabelão, abre a porta pra mina entrar e bota uma melô jóia no toca-fitas:
Foi assim, como ver o mar, a primeira vez que os meus
olhos se viram no teu olhar....
Quando eu mergulhei no azul do mar, sabia que era amor e
vinha pra ficar...."

Década de 80 Ele telefona pra ela e deixa rolar um:
"Fonte de mel, nos olhos de gueixa, Kabuki, máscara.
Choque entre o azul e o cacho de acácias, luz das
acácias,você é mãe do sol. Linda...."

Década de 90 Ele liga pra ela e deixa gravada uma música na secretária eletrônica:
"Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz.
Mas já não há caminhos pra voltar.
E o que é que a vida fez da nossa vida?
O que é que a gente não faz por amor?"

Em 2001 Ele captura na internet um batidão legal e manda pra ela, por e-mail:
"Tchutchuca! Vem aqui com o teu Tigrão.
Vou te jogar na cama e te dar muita pressão!
Eu vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim!
Eu vou te cortar na mão! Vou sim, vou sim!
Vou aparar pela rabiola! Vou sim, vou sim!"
Em 2002 Ele para a caranga rebaixada, e no mais alto volume
solta o som:
"Abre as pernas, faz beicinho, vou morder o seu grelinho....
Vai Serginho, vai Serginho...."
Vem minina num si ispanta, vô gozá na tua garganta...."

ONDE FOI QUE NÓS ERRAMOS ?? SERÁ QUE AINDA É POSSÍVEL PIORAR ?? SIM...... JÁ PIOROU !!!!
"POCOTÓ POCOTÓ POCOTÓ POCOTÓ, MINHA ÉGUINHA POCOTÓ" ! ! !



Vamos ao meu ponto básico Existem Elementos distintos e distorcidos sobre a evolução da musica, colocada por essa mensagem.

Minha crítica é que essa mensagem (engraçadinha) nos força a aceitar uma evolução musical e comportamental construída de forma falsa, e que não avalia a produção cultural e a historia contextualizada de cada gênero. Até porque, agente vai cair na discussão entre o culto e o erudito.
RESUMINDO. ESSA MENSAGEM É PRECONCEITUOSA.

Durante o período Imperial. O samba, (esse que a mensagem valoriza no primeira exemplo) com o violão. Era tido como o "FUNK de hoje". Numa junção do Lundu (claramente Africano) com a Modinha (influencia da elite) era visto como uma arte menor. Sem gosto.
Bom mesmo eram os recitais e operas no Municipal eruditos. O samba era muito reprimido pelo poder publico da policia. Como coisa de vagabundo, de negro.

A Década de 50
Na década de 50, a Bossa Nova surge como um movimento de amplitude internacional, mas ainda coexistiam a Jovem Guarda (nítida influencia norte americana), o chorinho, e o samba (eternos discriminados), o inicio do movimento tropicalista.

Década de 70 vivíamos uma ditadura militar. Temos aqui nesse período grande presença dos Secos e Molhados, do Raul Seixas, etcc... Foi nessa mesma década, que começa um movimento de valorização da Comunidade Afro. O Canecão do Rio de Janeiro, tinha os primeiros bailes funks. Basicamente com funk do James Brown, soul, etc... (reunia a comunidade negra e num telão era exibido imagens de negros bem sucedidos. Jogadores de basquete, o Black Power sendo valorizado).


Década de 80 Gueixa não era a única musica.. Tinha o "Sou Boy", o "Amante Profissional" (valorizando a prostituição dos homens), o Erva Venenosa, Blitz, Barão Vermelho, Paralamas, Titãs, Essa década é o auge do Pop Rock brasileiro.
Como também existia o movimento Punk, Anarco Punk. Onde os jovens cantavam: "Papai Noel, velho batuta, porco capitalista.... presenteia os ricos..... cospe nos pobres..." Djavan, Edson Cordeiro, são um dos exemplos dos novos nomes da MPB.

Nessa mesma época o Furacão 2000 que surge em Petrópolis, fazendo shows em todo o Rio de Janeiro. O movimento negro, na Bahia produz o Axé Music raiz, com a banda Reflexus. Em São Paulo o movimento negro se descobre com os RAPs

Nesta mesma década os movimentos sociais, começam a ter espaço, a aparecer, lutar pelas diretas, direitos humanos, pelos direitos das mulheres, movimentos socialistas, direitos homossexuais, anistia, etc...


Década de 90
Grupos como O Rappa, Cidade Negra, Raimundos, etc... surgem no cenário nacional musical. Paralamas, Titãs, Barão continuam. A morte do Cazuza e do Renato Russo, surge a ameaça da AIDS. Drogas são expostas nas musicas. Como diversos tabus. "É dia de feira, sexta feira, quarta feira, tem da branca, pra comprar comigo" Essa musica fala do comercio na favela do O RAPPA. Neste contexto, novos nomes surgem Marisa Montes, Cassia Eller, Leila Pinheiro, na MPB. Movimentos regionais como Mangue Beat de Pernambuco com Chico Science,


Mas também os pagodes melódicos do Raça Negra, oriundos de São Paulo começam a se proliferar.
Assim como o Axé Music, com Banda Eva, Banda Cheiro de Amor, é o Tcham etc....
Em São Paulo, Leandro e Leonardo, Zezé Di camargo e Luciano do interior paulista, genero chamado de Sertaneijo, falando de amor, paixão... etc...
O CATOLIC MUSIC vem com muita força também, com o rit "Erguei as mãos e de a Gloria a Deus", do Padre Marcelo Rossi.

O Funk carioca, começa a ter espaço na midia com o programa da Xuxa, que vira funkeira. Claudinho e Bochecha fazem sucesso: "Eu só quero é ser feliz, viver tranqüilamente na favela onde eu nasci... E poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar"

A década de 90 também revela um lado sombrio no mundo Funk. Existem os bailes tranqüilos.. O Funk Melody com Setve Bee. etc... mas também os sinistros bailes de corredor, local onde se encontram grupos do Terceiro Contando e do Comando Vermelho. Facções, musicas proibidonas, fazendo apologia as drogas (pó, cocaína, traficante).

Ora bolas.... Se a zona sul pode cantar O Rappa, os jovens da favela fazem apologia as drogas no Funk.
Mas o negocio é mais pesado, porque a violência também é verdadeira. A repressão ao Furacão 2000 e ao Duelo De Gigantes (outra equipe de funk que promove os bailes de corredor) vai gerar a proibição dos bailes funks na cidade do Rio de Janeiro E as letras vão ficando mais idiotas.

Mas vejam bem, não seria uma tendência de que os valores de relacionamento, sexualidade, atualmente não estão neste patamar? "Tchutchuca! Vem aqui com o teu Tigrão." é um bom exemplo disso. Um contra ponto ao perigo da AIDS, a Repressão Sexual,

Usando a camisinha não é possível ter fantasias, de Tigrão e Tchutchtucas...
Assim como o Sérgio, a Lacraia (que abre o espaço na mídia um homosexual estilizado dançando funk).
Assim como tem a "Soom Zoom Sat", que estiliza e moderniza os Forros do Nordeste e do Ceará com algumas letras polêmicas.

Em Recife surgem os grupos de brega, Calypso, Calcinha Preta, etc... Ao mesmo tempo surge uma tendência chamada Tribalistas, assim como todos os outros grupos citados que continuam produzindo, Nando Reis, etc.
E o soul do Ed Motta está presente, O melódico Jorge Vercilo, Pra tal elite intelectualizada.
Alguns jovens desta elite, desde a década de 90 estão ouvindo os Dance music, os Tecnos, etc.. a cultura de massa americana.

Conclusão de tanta implicância:
Não vejo erro, Vejo a musica como um grande reflexo de nossa sociedade.
De tendências ecléticas, onde todas as musicas são possíveis. Temos que lutar contra a homogeneização.
Seja deste Funk, como também da MPB.
GOSTO É GOSTO, NÃO SE DISCUTE. PODEMOS ATÉ DISCORDAR.

Mas se essa música esta sendo consumida. Devemos nos aprofundar porque Ser tchutchuca ou ser tribalista (Não sou de ninguém, sou de todo mundo e todo mundo é meu também) acaba ficando muito parecido.

Como ser Sandy (eterna virgem) é também... UMA OPÇÃO.
EXISTEM AÇÕES E REAÇÕES MUSICAIS.
Um grande mosaico musical que vai determinar nossa cultura, nossa diversidade e nossa característica.

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