Em Recife tem disso. As noites de terças são negras no Pátio, que de São Pedro ficam públicas e a territorialidade fica marcada.
Foi assim, em meados de 2002 que surgiu a Terça Negra com os ventos das mudanças sociais vindas do Plano Alto com a luta nos corações e nas mentes de finalmente estarmos no poder.
Sinto saudades daquelas terças, daquelas negras. Meu coração era embalado pelo instinto da liberdade e pela vontade de voar, eu era a Terça Negra em essência. Pulava, dançava, bebia beijava nos cantos dos Maracatus, suava nos toques dos Afoxés, cantava com o Reggae, pop, hip hop ou funk.
É negra a terça.
Meu olhar hoje tem o peso do tempo, não é o mesmo, não é a minha terça..
Vejo que sou um elo perdido, não reconheço ninguém na mesma negra terça.
Sou testemunha, deslocada, desfocada, desloucada. Perdi minha loucura da fina flor da juventude, do ser eu pleno. Das irracionalidades centradas no instinto.
O Patio, desta terça começa vazio. Vejo jovens panfletando por uma nova constituinte. Tempos difíceis para eles nesta conjuntura individualista. Ainda são idealistas mas no contexto conservador. Em 1980 era diferente. A constituinte era a espinha engasgada no grito da liberdade. Ela tinha que sair. Hoje eles estão sozinhos.
Os negros e as negras, brancas, pardas, amarelas, diversas diversidades vão chegando e ocupando.
No ar um misto de vento com perfumes, fumaça de cigarro, de cannabis. Estou atento.
Há uma certa tensão no ar, vejo pela reação dos garçons, dos poucos bares que abrem na Terça Negra. Há uma velada apartação, silenciosa, sutil. Há uma silenciosa resistência, um tipo de mina terrestre pronta para desfragmentar, atingir, ferir... Aferição dos limites.
Erês me oferecem bala, chiclete e querem trocados. Oferendas, trocas de amendoim, relógios, brincos, ostras, axé. Recuso todos e capturo tudo pela retina destas palavras.
O show e o som é reggae, tributo da Tribo à Jamaica. Bob teu coração pulsa no centro do Recife. Tu Jah estás aqui. Dou mais uma lapada e vejo minha alma de 2002 pulando freneticamente em meu silêncio e minha solidão de 2015, fui driblado pelo tempo
Sinto saudades. É negra a terça, mas não há Maracatus, nem os Afoxés. Olho para o lampião aceso da parede e reparo a similaridade entre nós. Vivemos tempos distintos. Esta não é a minha Terça Negra, não sou mais o mesmo.
Começa a chover e me vou despedindo do Pátio de São Pedro saio, saudando Bob Marley. O Pátio, a Terça .
Axé!!!
Um comentário:
Relato poético, uma habilidade para poucos. Gostei e entendi. Grato por ler . Valeu Renato.
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