Gisvaldo, o atrasado
Por Renato Motta
Sua vida era assim mesmo, não conseguia nunca chegar na hora exata, estava sempre atrasado e por mais que tentasse usar métodos diferentes, algum imprevisto sempre acontecia.
Não se recorda quando teve inicio esta fase, mas insistia em atribuir a alguma maldição, praga de alguma ex ou mesmo forças sobrenaturais. Não tinha como adivinhar ou pesquisar e recusava qualquer tipo de método cientifico para descobrir.
Analise? - dizia ele - Isso é coisa para maluco!
Tentando justificar sua limitação financeira para o tratamento. O certo é que naquele dia o cumulo aconteceu.
Acordou mais atrasado que o normal, se dando conta que o mundo inteiro já trabalhava. No banheiro, seu irmão caçula demorava a sair do banho e quando conseguiu entrar, uma indigestão estomacal o atrasou no banheiro.
Tomou seu banho em menos de dez minutos, em vão pois sua roupa estava toda amassada, tendo a ingrata tarefa de buscar o ferro e a tábua para passar. Sua irritação se manifestou quanto teve que armar a tábua.
Desceu a cozinha, arrumado, para engolir um rápido cafezinho, eis que mandou sem gole em uma cusparada longe ao ponto de lambuzar toda a porta da geladeira. Perdeu um tempo precioso em requentar seu café – nada pior que um café requentado – balbuciou entre os dentes.
Ao chegar ao ponto de ônibus, raios e trovões anunciaram foram o estampido para o temporal que desabou no Rio de Janeiro. Naquela hora teve que voltar correndo para casa buscar o seu guarda-chuva que havia esquecido deixado do armário. Descobriu que não estava lá e teve que buscar na casa inteira. Encontrou no quartinho de empregada e quando saiu... seu ônibus passou vazio na sua porta sem dar tempo de pega-lo. Esperou mais quarenta minutos até que o outra condução viesse.
Entrou, pagou e passou a roleta. Nenhum lugar para sentar e ainda por cima lotado! Pensou desanimado e ainda por cima, com o temporal, uma série de acidentes engarrafaram a cidade de ponta a ponta. E foi uma eternidade o “lengalenga” do trânsito e só pensava no trabalho acumulado da repartição.
Quando tudo indicava que o transito ia fluir, uma explosão decretou o rombo no pneu dianteiro do transporte. Desesperado, levou a mão na cabeça se perguntando: “O que fiz a Deus? O que fiz a Deus?” O local era de péssimo acesso e não havia outra alternativa a não ser esperar um outro ônibus da mesma linha.
Finalmente chegou ao trabalho quase na hora de voltar. Mas antes, teve que enfrentar a enorme fila até entrar no elevador, pois apenas um estava funcionando. Sua irritação passava dos limites normais.
Chegou ao seu departamento, e de súbito se lembrou de uma reunião extremamente importante com a diretoria que havia acabado naquele momento. Logo em seguida o setor de protocolo entregou um comunicado expedido a mais de um mês que informava seu processo demissional.
Arrasado, ainda teve que ouvir piadinhas dos colegas: - Chegou cedo para amanhã, hein Gisvaldo! – Ei Gisvaldo, já vai embora?
Resolveu ir para casa e foi para os elevadores, que demoravam a passar e ficou aguardando pelo menos uma hora afinal de contas, já estava no fim do expediente.
Olhou para os belos janelões modernos, caminhou sem esboçar alguma reação, abriu e se jogou do sétimo andar. Naquele momento sentiu a plenitude da liberdade tendo a certeza que chegaria mais rápido que todos.
Caiu no vácuo até sentir o impacto no chão....abriu o olho meio desorientado com uma terrível dor nas costas.
- Droga – olhando para o relógio – acordei mais atrasado que o normal!!!
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