Retratos do Cotidiano 2
Por Beto Barraca
RECIFE- Estação do metrô lotado. Cerca de 18:10 h, um calor de lascar, aliás isso se repete dia-a-dia no verão pernambucano. Voltar do trabalho, “dá” um trabalho
danado. Muito suor, mistura de ritmos vocais. Não se entende muita coisa, já que
o emaranhado de sons se propaga por todos os cantos na estação, do
vagão do trem aos corredores que dão acesso a saída e a entrada.
Perceptível aos meus ouvidos coadjuvantes, a decodificação dos ritmos vocais vão
lentamente dando origem a mais um ato da cena cotidiana de minha ida. Prefiro,
todos os dias, o último vagão, ou o primeiro no vai e vem entre Jaboatão – Barro - Jaboatão. Sempre cabe, a mim e a meus ombros cansados, corroídos
por um dia de agitação ainda mais agravados pela agitação do cotidiano.
Por acaso penso: “Acho que vou pegar um vagão que me dê acesso mais rápido à saída na estação terminal Jaboatão. Aquele que dê direitinho com a descida, onde centenas de trabalhadores enlouquecidos descem aos sons triunfantes de um findo
dia de trabalho.”
Na procura de participar coadjuvantemente, arregalo meus ouvidos na multidão e
começo a ouvir belezas do linguajar tipicamente nordestino, a gritar, naquele som
oco, turvo e risonho, descendo pelo corredor de acesso à saída. São campeões, na
carreira enlouquecida, enquanto que a torcida grita enfaticamente em sons
ensurdecedores:
“Vai pegar o urso, é filho da puta!!!” Gritam alguns torcedores.
”Já vai né corno!!!”. Gritam outros mais enfáticos.
Mas naquele dia estas cenas ainda estavam por vir. O que aconteceria momentos
após a chegada de mais um metrô atrasado à estação de metrô do Barro, era cena
de merecidos aplausos por sua singularidade.
Eis que entro no penúltimo vagão com sentido a Jaboatão. Já me deparo com a risadagem geral. As gargalhadas surgem de todos os lados. Meninos, velhos, jovens, mulheres casadas, homens soltos e solteiros.
Todos participavam do Retrato do Cotidiano daquela noite quente e sem chuva. Tratava-se de uma anciã, beirando seus 75 anos, improváveis, já que a calejada face, no nordeste do Brasil, não necessariamente quer dizer muitos anos de vida e sim poucos anos de muito sofrimento.
A velha senhora, tipo egocêntrico de ser, ia conquistando, cativando o público de corpo suado presente. O teatro estava totalmente lotado. Não havia condições de maiores
remelexos dentro daquela sala móvel quente.
Sua primeira fala foi impecável, típica de uma grande dama dos teatros mambembes brasileiros: “Ai, acocha mais! Vai comer ou vai embrulhar.”
A platéia seguia atônita às passagens do belo texto improvisado que aquela senhora dispunha em sua voz comprometida pelo tempo: “Vai gostoso, aperta mais.” - Dizia ela aos risos de uma bela pombagira nordestina: “Ai, assim tu vai matar a véia! Empurra toda!” Acrescentava ainda mais incisiva. Isto tudo entremeado por pitorescas cantorias dos terreiros de macumba da terra. Cânticos da noite, cânticos da vida dura e difícil dos subúrbios pernambucanos.
A cena chegava perto do seu desfecho. O segundo ato estava prestes a terminar.
Pressentindo o final, os novos fãs começavam uma barulhenta homenagem para aquele
velho corpo indecente: “- Tá gostoso ? Gritava um. “E agora tá melhor ?” Completava outro.
O fim estava próximo. Estávamos chegando a Jaboatão. Iria começar toda a sonoridade dos corredores lotados. O acesso à saída já era uma certeza. E eles desceram, fãs e a primeira dama do teatro móvel, unidos, do jeito que ela fora transportada por toda viagem, colados,corpos nos corpos. Acabava também mais um dia quente de trabalho, mais um retrato da vida cotidiana do povo pernambucano.
Para quem nunca foi a Recife: o trem que integra tanto Jaboatão dos Guararapes para o Centro, como o da Rodoviária pro Recife, parece que foram projetados pro rigoroso inverno da Suíça. Vejam caros bloggueiros não tem ar condicionado e as janelas quase não abrem, causando uma sensação térmica tão abafada quanto a um forno em pré cozimento.
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